Prece: Poesia de Fernando Pessoa

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Mais Poemas

Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim,.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fôssem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fôssem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fôssem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fôssem como tu queres, seriam só como tu queres.
Aí de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
(Poemas Inconjuntos [262] de Alberto Caeiro
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —



A água chia no púcaro que elevo à boca

A água chia no púcaro que elevo à boca.
«É um som fresco» diz-me quem me dá a bebê-la.
Sorrio. O som é só um som de chiar.
Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta.
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —

A água chia no púcaro que elevo à boca

A água chia no púcaro que elevo à boca.
«É um som fresco» diz-me quem me dá a bebê-la.
Sorrio. O som é só um som de chiar.
Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta.

Foto de Fernando Pessoa

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Poemas de Pessoa

O amor, quando se revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

Biografia de Fernando Pessoa

Fernando Antônio Nogueira Pessoa

Nasceu em Lisboa em 13 de junho de 1888. Aos 5 anos perdeu o pai - crítico musical. Com o segundo casamento da mãe, foi levado, em 1896, para Durban, na África do Sul, onde fez os cursos correspondentes ao primeiro e ao segundo grau.
Em 1901, escreveu seus primeiros poemas, em inglês.
Em 1905, voltou sozinho para Lisboa e iniciou o curso superior de Letras, que deixou no ano seguinte. Três anos mais tarde, passou a trabalhar como tradutor autônomo em escritórios comerciais.
Publicou estudos sobre a literatura portuguesa em A Águia (1.912) e poemas em A Renascença (1914). Foi nessa época que criou seus heterônimos principais; três personagens distintos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
Em 1915, apareceram os dois números da revista Orfeu (o segundo foi dirigido por Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro) com o Ode triunfal, a Ode marítima e outros textos que já revelavam o inconfundível talento do poeta.
Em 1929, organizou, com Antônio Boto, uma antologia dos poetas portugueses modernos. Em sua fase de maior atividade, lançou diversas teorias estéticas, como o sensacionismo, o paulismo e o interseccionismo.
Vivia, então, em quartos alugados, sujeito a crise de depressão e alcoolismo. Com Mensagem (1934), único livro em português que publicou em vida, concorreu ao prêmio Antero de Quental, do Secretariado de Propaganda Nacional. Como a obra era muito pequena, segundo a justificativa alegada, na ocasião ganhou o 2º lugar. O livro é um conjunto de poemas sobre os mitos portugueses em que, a par de alta emotividade, se manifesta em profunda reflexão.
Pessoa não apenas dominou, como também atualizou e desenvolveu todas as técnicas e vertentes da expressão poética disponível em Portugal no século XX.
De um lado, como alguém capaz de assenhorar, em termos práticos, desses meios que uma sociedade culturalmente rica e tradicionalmente literária tinha acumulado; e de outro, por sua formação inglesa de língua tradicionalmente racionalista, como alguém igualmente capaz de modificar aquela realidade cultural e seu legado em que a poesia se cristalizava, Pessoa se transforma em ornamento social e de veneração em torno das saudades não resolvidas, da exaltação patriótica ou pitoresca.
(Fernando Pessoa)

(texto retirado www.hotpoems.cjb.net)
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"Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre."
Fernando Pessoa
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Tenho Tanto Sentimento


Tenho tanto sentimento

Que é freqüente persuadir-me

De que sou sentimental,

Mas reconheço, ao medir-me,

Que tudo isso é pensamento,

Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,

Uma vida que é vivida

E outra vida que é pensada,

E a única vida que temos

É essa que é dividida

Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira

E qual errada, ninguémNos saberá explicar;

E vivemos de maneira

Que a vida que a gente tem

É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

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